Uma inovação no maquinário, precisamente a invenção da máquina a vapor e das máquinas destinadas a processar o algodão, foi o que desencadeou uma sucessão de transformações profundas, a Revolução Industrial; foi também quando se iniciou a história da classe operária na pioneira Inglaterra. É isso, o proletariado moderno nasce com a revolução das máquinas, como seu produto imediato.
Antes da introdução das máquinas, na Inglaterra, a fiação e tecelagem tinham lugar na casa do trabalhador, que, em geral, vivia nos campos. Basta dizer que, antes disso, praticamente toda a população humana vivia nos campos, era quase inexpressivo o número de pessoas que viviam em cidades.
A situação do tecelão que vivia nos campos não era das melhores, mas o ritmo de trabalho não era frenético, não tinha patrão a quem obedecer, horário determinado a cumprir, e, embora a vida não fosse fácil, não era horrorosa. No dizer do F. Engels, “um pobre camponês [...] situava-se num escalão social acima do moderno operário inglês”. Note-se, contudo, que ele escreve em 1845.
Não faria muito sentido exaltar o modo de vida do trabalhador camponês pré-Revolução Industrial. Sua qualidade de vida podia ser qualquer coisa, antes de ser invejável. Comparativamente, o camponês era uma máquina de trabalho tanto quanto o operário das fábricas. Só que, para o século XIX, as descrições das condições de vida e higiene da classe operária chegavam a nauseantes, e, contudo, o que temos são as descrições de bairros das primeiras cidades do mundo em desenvolvimento industrial, uma Londres, uma Manchester. Trata-se do coração de um sistema de produção em que a miséria precisa fazer parte, como elemento integrante necessário à acumulação capitalista.
Em geral, os operários passavam a vida inteira no local onde nasceram, à exceção, talvez, de um ou outro deslocamento a passeio ou a congressos. A isso obrigava as condições materiais do seu existir. Por volta de 1880, o futebol tornou-se um esporte proletário de massa (ao menos, pode-se dizer, enquanto espectadores). E o costume de pagar os salários semanalmente, às sextas, tornou o sábado o dia por excelência para as atividades de lazer.
Contudo, um mercado de massa na década de 1880 ainda começava incipiente: produção fabril de sapatos, e, um pouco mais tarde, a produção de artigos de vestuário masculino. As roupas e os cosméticos para mulheres, ao contrário, apenas se tornaram um negócio de grande monta no período entre guerras. E havia a produção de alimentos industriais (molhos, geléias, conservas etc.) que crescia a cada dia – convém lembrar as contribuições para a conservação de alimentos que a ciência e tecnologia ofereciam.
E, depois, apareceram o cinema e os salões de dança, sintomas da emancipação das mulheres. Afinal, as mulheres – e, sobretudo, as mulheres casadas – eram as vítimas mais profundas da cultura da classe operária, confinada em seus ambientes domésticos, muitas vezes sozinhas - a não ser pelas crianças muito pequenas, se as tivessem.
E então apareceu o rádio, que a ninguém mais terá proporcionado tanta companhia quanto às mulheres proletárias casadas. Já os maridos tinham muito mais opções de divertimento do que elas. O lazer deles era contíguo ao trabalho: a cachaça, os jogos.
Entretanto, as décadas de 1950 e seguintes desmoronaram a anterior cultura da classe operária. Ela sofreu mudanças profundas: hoje, mais da metade das mulheres casadas trabalham fora de casa; os militantes da classe operária tiveram acesso à educação, e agora são militantes profissionais; ao contrário do operário que morria antes de conhecer outros lugares fora da região onde nascera, nas férias, a classe trabalhadora agora viaja até mesmo para países estrangeiros, com exclusiva finalidade de obter lazer. Isso tudo quer dizer uma coisa inédita: a classe operária passou a viver em condições condizentes com o que se espera para humanos. Pela primeira vez!
Juliano Dourado Santana
Uma aberração, um disparate, um insulto ao esforço crítico destes últimos dois séculos. Somente encaixando-o na prateleira das provocações inusitadas de um jovem e astuto fanfarrão, consigo ler as enviesadas palavras do meu estimado primo. Antes de tudo, é um argumento maldoso, amoral e covarde.
ResponderExcluirDois pontos específicos me entristecem muito:
O primeiro e a tese central que passeia pelo argumento e lhe da a ossatura. Meu primo historiador alude irresponsavelmente (ou inventa) a dinâmica de ascensão e queda de certa “cultura da classe operaria” – que por sinal estaria ainda associada à opressão de gênero. Ora! Quanta inverdade cambe em um byte! Sem me estender muito, vale somente lembrar que se possível for versar sobre tal cultura de classe, estaria ela veementemente imbricada nas lutas de gênero; a luta pela causa feminina sempre foi uma bandeira do movimento operário. Mas não nos percamos nos pormenores históricos e nas picuinhas, não deixemos perder o foco do que há de mais grave neste texto.
Para meu primo, como num passe de mágica – e aqui uso diretamente suas palavras – “a classe operária passou a viver em condições condizentes com o que se espera para humanos.”. O que seria isso meu Deus? Onde vive essa classe operária? Talvez resida no pensamento livresco do meu querido primo, ou nos jardins de infância da política. Em qualquer lugar você poderá encontrá-la, menos na realidade.
O que caracteriza uma classe operaria é sua participação incipiente nos frutos da divisão social do trabalho, a apropriação por poucos, daquilo que foi produzido por muitos. Mas para Juliano vivemos o crepúsculo deste dia. Hoje os trabalhadores podem acordar bem cedinho e colher as benesses que o progresso econômico lhe reserva, ou seja, uma geladeira em 24x sem juros, roupas no crediário e gordura saturada aos finais de semana. Está ai o lindo mundo do meu primo. Esquece ele que o círculo de expropriação do capital é global, que o Estado de Bem Estar Social europeu – e a boa vida dos operários de lá – se sustenta na expropriação da mão de obra em países miseráveis. Porque que o partido operário perde força se tudo isso é verdade Rodolfo? Simples, porque nestes países quem trabalha no chão da fábrica não vota, é latino, chinês ou turco.
Meu caro primo, a vida melhorou é claro, isto é sensível, talvez até por isso que nos impedimos de enxergar outro horizonte de possibilidade. Mas por favor, não vamos universalizar seu ideal de humano e sua condições condizentes de existência. O fosso entre classes é tão profundo que soa ridículo acalentar o operariado com estes brindes. É com se fossemos animar com uma torta de limão aquele paciente que acaba de perder as pernas. Não se esqueça que, como disse o inelegível Plínio, uma única licitação da Petrobras ganha pelo ilustre Eike Batista, equivale a todo orçamento do programa Bolsa Família. Nunca duvidei que ele fosse um sujeito melhor que muita gente, mais capacitado e determinado, nunca duvidei que fosse um homem em destaque e diferenciado. Mas essa diferença é tanta assim! Se a classe operaria acredita mesmo no seu estado de gozo isto significa uma única coisa: perderam a guerra e seu texto faz todo sentido.
Eu achei o comentário de Rodolfo árduo, difícil mesmo de compreender em alguns trechos. Pareceu-me que criticava a minha noção de que a classe trabalhadora está melhor agora do que antes.
ResponderExcluirNão é bem que os trabalhadores estejam num estado de gozo. Ainda são máquinas de trabalho, como o foram os trabalhadores de qualquer tempo. E há agora algumas dificuldades pelas quais os trabalhadores de outrora jamais tiveram que passar: engarrafamento no trânsito, por exemplo.
Mas há realmente alguma coisa de "progresso" quando penso em me referir aos trabalhadores de hoje. As descrições que eu li sobre as condições de vida e trabalho na Inglaterra do XIX são horríveis. Duvido que em algum lugar do mundo hoje se encontre um estado lamentável como aquele, à maneira de Germinal de E. Zola.
O nosso aparente sucesso pode estar muito bem assentado sobre condições de trabalho quase-escravo em outras regiões: Guatemala, Cingapura, Bangladesh, Amazônia, etc. O que acontece é que as empresas ultrapassaram os limites das suas nações e puderam se beneficiar com isso da melhor maneira possível: ter sede administrativa num país, fabricar os produtos noutro país onde a mão-de-obra seja mais barata e cujas Leis não assegurem garantias trabalhistas, e depositar seus fundos onde renderá mais.
As leis trabalhistas, diga-se de passagem, foram conseguidas com muita luta. Para o nosso bem, a jornada de trabalho não é mais de 15 horas por dia, mas de apenas oito. Bem podiam ser duas... É uma luta que ainda não acabou. A situação dos trabalhadores de agora não é invejável, não é exatamente um sonho, mas é a melhor situação que os trabalhadores já tiveram até aqui. Ser a melhor, com os precedentes que tivemos, não significa dizer que é boa. E alguns lugares estão em situações piores, eu sei. Conforme dissemos, "este é um sistema de produção em que a miséria precisa fazer parte, como elemento integrante necessário à acumulação capitalista".
Portanto, eu reitero: Trabalhar é penoso. Apesar disso, a penúria dos homens que trabalham diminuiu (um pouco).
Quem dá mais?
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