03 agosto 2009

Klaatu barada nikto

Certa feita, meu amigo e parente Raviere intimou-me, como é do seu feitio, a assistir o preto-e-branco O dia em que a terra parou (The Day the Earth Stood Still, Robert Wise). A data escapa à memória, mas estávamos próximo do lançamento de um remake homônimo. A situação era uma oportunidade de exercitar meu pedantismo cinematográfico, declarar para mundos e fundos como o original era superior (declaração comprome-tedora, “superior” virou palavrão). E de fato a refilmagem é uma cretinice. Paciência! Neo, vulgo Keanu Reeves, e sua enigmática cara de paisagem, somado a um argumento estrategicamente encomendado engrossam a famosa teoria-do-remake-que-fica-pior-que-o-original. Já o filme de 1951, que também não é a bússola do cinema, segundo meu criterioso bom senso, tem um desfecho bacana e é disto que gostaria de tratar.


Klaatu, alienígena humanóide em visita a Terra, e seu escudeiro Gort, robô futurista dos anos cinqüenta, estão destinados a transmitir uma mensagem para todos os lideres humanos. A ameaça nuclear no planeta Terra de alguma forma está constrangendo a política intergaláctica, temerosos, os republicanos e democratas do além enviam uma proposta para os terráqueos. Depois de muito melodrama Klaatu anuncia: Gort, que tira de letra todo o poder bélico dos homo sapiens, ficará na Terra e policiará as relações conflituosas entre os paises. Ora! Isto é um belo contrato hobbesiano. Escolher entre segurança e liberdade, grandezas inversamente proporcionais, é um remoído dilema da literatura política. Você pode fazer tudo e ficar sujeito a tudo que os outros também podem fazer com você, ou pode, junto a um coletivo, abdicar desta liberdade total (liberdade positiva) delegando-a a uma instância virtual que regule o “tamanho das liberdades”. O medo de ser surpreendido pela vontade-livre, a falta de regras e de previsibilidade redigem as páginas do pacto social. Ganhamos uma em detrimento da outra. Este é o contrato e a entidade delegada é o Leviatã, no caso, o próprio Gort, o único com poder para policiar os excessos individuais. Traduzindo à luz de Max Weber, o robozão é o único que tem a legitimidade da violência, Gort é o próprio Estado. Claro que estas colocações são bastante rasas. Existem inúmeras variáveis nesta equação: o quanto será delegado, os interesses próprios do delegado e a possibilidade de revogar o contrato são complicações que não relevo aqui.

E as embromações não param por ai. Podemos traduzir “segurança” como “propriedade”, segurança de possuir, de ter e ser dono de coisas (ou pessoas). Garantia que o que eu conquistei não seja surrupiado pela liberdade alheia. Nestas condições inauguramos outro binômio, propriedade e liberdade. Parafraseando José de Alencar, o velho conservador, a propriedade privada e a ossatura social, não a liberdade. A única liberdade é a de possuir. Mas isto é assunto para outro filme, além do que, os conservadores estão no armário e não são a tendência para a ultima estação. Se Gort permitir, voltaremos.
Rodolfo Carneiro

2 comentários:

  1. Olha como é divertido: todas as correntes políticas da atualidade se vangloriam de serem herdeiras diretas da Revolução Francesa, que funcionou sob o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

    A esquerda política centrou-se completamente no segundo lema, o da igualdade. Ironicamente, a direita política (direita é o CONTRÁRIO de esquerda) pôs a tônica sobre a liberdade.

    Puxa, que lemazinho mais contraditório aquele que pôs a França e o mundo em revolução política!

    Mas... o que seria Fraternidade?

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