10 agosto 2009

Cemitério da vez, o Campo Santo em Salvador.

Na morte os homens não são iguais, como não o são em vida. Uns tem para descanso do seu corpo morto uma terra santificada no interior de Igrejas, outros vão servir de comida a urubus e outros carniceiros mais: o destino comum é somente a morte. Os ritos em torno disso sofrem todo tipo de variação.


Primeiramente, um cemitério não é um lugar somente de mortos. Os vivos vão ali também; para deixar flores para os seus queridos falecidos, para ver a tumba de algum famoso, para sentir saudades, ou ainda, por curiosidade, por pesquisa, porque é um lugar tranqüilo, ou outro interesse excêntrico. Seja qual for o motivo, é um lugar bem visitado - até que a visitação um dia torna-se residência permanente.



O Campo Santo é um cemitério enorme distribuído entre uma Igreja e os seus arredores. Parece uma cidade, de tão grande. Com seus bairros, vielas e corredores, e, é claro, casas, pois que é onde ficam os residentes na maior parte do tempo. E turistas.


Ali, cidade em miniatura, as sepulturas são de todo tipo: (o que não contrasta com as residências dos vivos. No fundo, não há muita diferença) umas parecem casas, outras parecem palacetes, e algumas são umas gavetinhas horizontais. Uns eram pretos, outros eram senadores, deputados, professores universitários, intelectuais, coronéis, ou nada disso, ou mais de uma dessas categorias de uma vez só. Agora, são todos uns montinhos de ossos e alguma carne, se muito. Mais do que isso, porém, e além da certeza do que agora são, existe a memória do que foram.


A memória dos homens, mulheres e crianças que morreram é cultivada no cemitério como em poucos outros lugares. É um lugar da memória por excelência. Tudo ali serve de testemunho, até mesmo as flores, - ou a ausência delas. Mas esta memória está muitas vezes circunscrita ao universo particular. Noutras, um túmulo pode ser uma encarnação de um ideal, de um modelo político ou de um modelo moral.


As lápides falam pelos mortos, pois que estão impedidos de se apresentarem formalmente e não podem dizer “Oi, eu sou fulano de tal”, ou “Eu fui fulano de tal”: estão mortos. A lápide, juntamente com seu epitáfio, normalmente apenas os identifica pelo nome e acrescenta alguma informação como ano de nascimento e morte. Porém, muitas têm alguma mensagem adicional; ou uma foto. Lá pelos fundos do cemitério, pode-se encontrar uma bem curiosa em que não se fez a identificação do morto pelo nome, mas pela sua atividade religiosa em vida. E outras são anônimas: tumba branca sem qualquer tipo de identificação.


Sem identificação estava a tumba do coronel Horácio de Matos. Aliás, sequer se lhe encontrou a tumba. Ironicamente, nem nos registros ele constava, embora todo mundo saiba que Horácio foi enterrado ali. É uma hipótese séria a de que, por inimizade política, fizeram esforço para suprimir-lhe a memória. Neste caso, e paradoxalmente, o cemitério foi o lugar do esquecimento. Mas isto não chega a constituir a regra.


Talvez seja possível perder-se no Campo Santo, ou em qualquer outro grande cemitério no mundo. Um passeio por qualquer uma de suas quadras, no entanto, é suficiente para atestar a enorme diferença que há entre as sepulturas. Pode-se querer ver nisso uma divisão de classe que os acompanhou até o túmulo. Certamente isso acontece, e túmulos mais ostentadores terão pertencido a homens mais ricos, obviamente.


Mas, não obstante isso, ser enterrado tem um preço. E ser enterrado ao lado da Igreja (dentro da Igreja, no subsolo, já não havia espaço), como o foi J. J. Seabra, por exemplo, tem provavelmente já um preço muito elevado. No mais, túmulo sóbrio, sem floreios, detalhes e ornamentações, não é prova definitiva de ausência de poder de qualquer tipo. E, finalmente, havia alguns casarões para mortos ali. Verdadeiras capelas - e enormes! -, para abrigar o corpo de um coitado que morreu. É o caso do túmulo do Carlos Costa Pinto, ex-dono do Museu Carlos Costa Pinto. É um túmulo muito lindo e contrasta profundamente com as muitas gavetinhas horizontais do fundo do cemitério.


Além disso, geralmente (mas não de modo unânime), a cruz é o elemento mais presente nas sepulturas de todos aqueles mortos. Não os bustos dos grandes homens políticos, que, aliás, aparecem com freqüência relativamente baixa (Seabra não o tinha, por exemplo). Mas a cruz, esse símbolo cristão de redenção. O mais frisante é os homens temerem a morte e devotarem-lhe um respeito submisso e medroso, como se isso pudesse evitá-la. O cemitério é, sobretudo, um lugar de luto.




Juliano Dourado Santana

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Medo? Acho cemitério um lugar pacifico...

    E gostei da teia imensa para descrever tranquilidade. Abraços. ;)

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir