Alguns argumentos e expressões me fazem coçar a cabeça com uma careta discreta. Não porque estão certos ou errados, mas porque são proferidos à exaustão. Como aqueles filmes da sessão da tarde que, na primeira vez, são divertidos - interessantes até -, mas que de tanto repetir se tornam insuportáveis. Eles, os argumentos e expressões, se gastam, às vezes se contradizem ou alguém aparece com uma réplica melhor, mas eles continuam sendo usados como (me perdoem por mais esta comparação) uma roupa que alguém elogiou quando era nova, e por isso foi usada até se rasgar sozinha, de tão velha, pois o dono achava que ela seria bonita pra sempre.
Já pensei em escrever sobre isso, mas, além de minha costumeira indisposição, sempre me veio o pensamento de que talvez fosse por arrogância minha que eu os odiasse. Não vejo muita gente falando mal deles por aí. Até que me deparei com esse texto do blog do Idelber Avelar[1]. Ele fala que isso se chama truísmo e explica:
Truísmo é o nome que reservamos, em filosofia, para a banalidade que, verdadeira, produz efeitos que vão muito além daqueles que estritamente poderíamos derivar da veracidade que enuncia (...) Ele expressa, como todo clichê, uma banalidade que não é falsa, mas que pode muito bem funcionar para falsificar a realidade – especialmente depois que, já disseminado, passa a ser usado para travar o pensamento e, não raro, silenciar o outro.
O que eu escolhi pra falar hoje é tomado por alguns como o lema cinematográfico. Nem sei se a mencionaram nos comentários do blog do Idelber. "Uma imagem vale mais do que mil palavras”. É? Vai falar isso pra um cego pra você ver.[2] E por que não desenharam ou filmaram isso?
Essa relação entre as palavras e as coisas (e logo, a imagem que temos delas) está no princípio da lingüística e, indo mais fundo, em Platão. Sim, cada imagem é única, cada um vê o mundo de seu ponto de vista, e não há como descrever com a exatidão perfeita de como vemos[3]. O que está em nossa mente está somente lá e transpor com exatidão total é impossível. Mas daí a dizer que uma imagem vale mais que mil palavras por causa disso é um paradoxo, não só porque precisou ser dito, mas também porque algumas palavras carregam uma imagem. Imagine assim: você tem um cachorro chamado Rex, que evidentemente você não carrega para todos os lugares. Você pode falar para sua professora que ele comeu seu dever de casa ou levar fotos dele e desenhar isso tudo pra ela, com ajuda de gestos. A palavra cachorro sozinha já traz uma imagem de um, para quem conhece a palavra e o animal. Agora, qual é o mais fácil? Quem já jogou Imagem & ação sabe o quão complicado é designar palavras soltas por meio de desenhos e de mímica. Imagine então como seria complicado transmitir informações complexas e abstratas somente por imagens.
(Aproveitando o gancho, muita gente também diz que o cinema de valor não se explica, mas conta sua história por meio das imagens. Outra generalização contestável. Levando em conta somente a expressão mencionada, é lugar-comum, por exemplo, dizer que narração em off é estratégia para salvar filme ruim. Mais uma vez, há coisas que só podem ser expressas por palavras. Muita gente esquece que o texto também faz parte da linguagem cinematográfica, como o áudio e a imagem. Como isso tudo é usado é que importa. Mas não entremos em méritos específicos.)
Bem, estas idéias me pareceram muito evidentes. Fui procurar alguma coisa semelhante a respeito e encontrei essa máxima do Millôr Fernandes: Uma imagem vale mais do que mil palavras... Mas sem palavras isso não seria dito. Grande Millôr, se eu tivesse encontrado essa máxima antes nem me daria ao trabalho de escrever este texto. Ai, minha costumeira indisposição...
[2]Oops, deficiente visual. Cego virou palavrão. É melhor falar mal deles usando “deficiente visual” que falar bem usando “cego”. Veja a polêmica nonsense com o filme de Meirelles. (O politicamente correto seria o argumento mais detestável dos truístas?)
[3] Irineu Funes mesmo, personagem de Borges, achava absurdo que, por exemplo, um cachorro visto de lado ao meio dia e um cachorro visto de cima de madrugada fossem designados pela mesma palavra, cachorro.
Paulo Raviere
"Cego" e "Superior" tornaram-se palavrões, segundo paulo e rodolfo, respectivamente. E "Porra" e "tomar no cú" estão cada vez mais populares. Isto é interessante.
ResponderExcluirNão quero dizer com isso que o nosso palavreado vai sumir e dar lugar apenas aos palavrões (dos antigos), mas pelo menos dá pra concordar com o S. Pinker: os tabus (consequentemente, também os palavrões), como os penteados, seguem algum tipo de moda.
não sei se é mais estupido diser que uma imagem vale mais q mil palavras ou achar que valor é a questão que deve ser comparativa entre linguagem fonética(diferente de escrita) e liguagem visual(differente de imagetica) me remete as escritas que não tem palavras para representar ideias ou objetos, mas sim imagens para isso. o que diser? que uma imagem vale mais que mil imagens? como assim? uma palavra é uma imagen, seu tolo!
ResponderExcluirNão, é claro que palavras não são imagens. Palavras são palavras.
ResponderExcluirMelhor: palavras são signos que remetem a imagens, mas inferir daí que elas são precisamente imagens é um pequeno equívoco. A mesma palavra remete a diferentes imagens para diferentes pessoas, em momentos distintos, sob diferentes contextos. Em resumo: palavras são signos, caminhos, chaves, links para imagens.
da mesma forma que paulo usou o deficiente VISUAL pra cometer o equivoco dele
ResponderExcluirse permite cometer o mesmo erro usando um deficiente AUDITIVO
tudo é signo de qualquer coisa nessa bosta moço, dexa de confusão.
a menos que alguem consiga explicar o q o som, eu disse o SOM, da palavra carro tem a ver com um veiculo automotivo,
e o que é q o som de "veiculo automotivo" tem a ver com veiculo automotivo, é tudo na base de imagem mermo nessa porra...
e esse negoço dessa individuação de que cada um faz a imagem que quer do signo que bem le convem é conversa mole de filosofo, é simplismente impossivel de vc saber qual imagem eu faço desse suposto signo, como vc vai saber se é igual ou diferente do de qualquer pessoa? conversa!
Esse é aquele velho debate que eu tive uma vez com um de vocês sobre "em que língua você pensa". Pena que não o fotografei, meu argumento foi tão lindo! Uma foto dele cairia brilhantemente bem aqui no meio desses comentários.
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