“Essa escura claridade a cair das estrelas...”, escrevia um dramaturgo francês no século XVI. E o leitor se espantará incrédulo: escura claridade? Talvez até pense como eu: o cara que escrever isso numa dissertação para vestibular está fudido! Essa figura de retórica, essa aliança de antinomias - essa loucura, eu diria - tem um nome específico e bem feio: Oxímoro. Minha opinião é a de que o nome é tão feio quanto o efeito que ele causa.
“O sol negro da melancolia”, “velhinho jovem”, “um vazio que lhe serve de lugar”. Ai, esses poetas! Não bastasse escreverem poemas e cantar sempre muitas falsas sutilezas sobre o amor, inventaram a moda das afirmações que se autodissolvem, como um líquido presentemente sólido. Ou seja, eles lograram uma maneira de afirmar que A é A e não é A ao mesmo tempo! Mas tudo bem. Há pessoas que também não gostam de prosopopéias, zeugmas e anáforas. Mas essa mania dos poetas, e sobremodo dos franceses, foi parar onde não devia. Na ciência.
Na ciência, vírgula. Estou sendo gentil com uma parte do que se cognomina “ciências sociais”. Mas esse debate é outro e não cabe aqui. Alguns intelectuais pós-modernos acharam que faziam muito bem em utilizar oxímoros a torto e à direita em seus escritos, e o resultado não é muito animador. Tais pensadores fazem exatamente o inverso do que propõe a ciência. Ao invés da compreensão de que alguma coisa existe e que de modo sistemático e racional é possível, por exemplo, descobrir qual o agente causador da dengue, tais pensadores negam qualquer valor de verdade em qualquer discurso, inclusive no discurso da ciência. Ou seja, nenhum discurso é importante pelo que se diz. Como apreendeu o Millor Fernandes, com magnanimidade: “Se você vê, vira e revira, e o sentido está no revirar e no não-dito - é poesia pós-moderna”. Mas Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Baudrillard, Jacques Lacan, Julia Kristeva, Bruno Latour e Michel Foucault, estes não se denominam poetas. Sonham que são cientistas.
Vários setores das ciências sociais e das humanidades parecem ter se curvado diante de uma filosofia que, à falta de melhor termo, chamamos aqui de pós-modernismo: que é, de acordo com o físico Alan Sokal, uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por discursos teóricos desconectados de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural aberrante! E desde quando um físico pode ser autoridade para falar de temáticas sociais? Bem, o livro de A. Sokal, intitulado “Imposturas intelectuais”, foi gerado ele próprio por uma impostura intelectual, uma charlatanice. Alan Sokal escreveu um artigo: “Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”, eivado de absurdos, e ilogismos flagrantes!, e submeteu-o a uma revista cultural americana, a Social Text. O texto do artigo praticamente dizia que a realidade física, a gravidade por exemplo, é no fundo uma construção social e lingüística. Ironicamente, o artigo foi publicado (que vergonha!). Além do mais, a paródia foi construída em torno de citações de eminentes intelectuais: Gilles Deleuza, Jacques Derrida, Baudrillard, Félix Guattari, Luce Irigaray, Jacques Lacan, Julia Kristeva, Paul Virilio, Bruno Latour, entre outros. Veja se tem cabimento, leitor, dizer que a realidade física não vai além de interpretações lingüísticas! Apenas uma semana depois, era maio de 1996, Alan Sokal escreveu um breve ensaio para a revista Lingua Franca, revelando o embuste e explicando seus motivos.
Boa parte do pós-modernismo é um disparate, mas trate-se de um disparate com uma finalidade: ao usarem uma terminologia quase científica, os teólogos pós-modernistas pretendem desacreditar a objetividade da própria ciência. O fato de não entenderem física nem química ou biologia não é obstáculo.
Dizer que Elvis Presley está vivo seria anacrônico e falso. Dizer que o mundo é plano sempre foi mentira, a despeito do número de pessoas que possa ter acreditado nisso em certa época. A lógica fraturada do pós-modernismo não vê essa distinção, e conclui que qualquer percepção da realidade é tão válida quanto qualquer outra. Dizer que Elvis está vivo e ainda fazendo show é igualmente válido para pós-modernistas do que o discurso familiar que lhe presta homenagens no Dia de Finados. O que temos aqui, portanto, é a razão pelo avesso, o culto do impropério absurdo, psicologismo vago, relativismo ultra-exagerado. Assim, escreve Foucault: “O homem é uma invenção cuja data recente é facilmente mostrada pela arqueologia do nosso pensamento”, e argumenta que não existia homens antes do XIX. Eu gostaria de saber o que é que havia, então. E gostaria de saber quem escreveu a Odisséia, senão um homem. Foucault retoma a estilística poética dos oxímoros: “a invencível ausência”, “lei sem Lei do mundo”, e “a presença real, absolutamente longínqua, cintilante, invisível”. Foucault é seduzido por essa escrita, toda a sua obra é marcada por esse pensamento que desestabiliza, subverte a dialética; tudo o que se lê em Foucault está marcado pela tensão entre A/Não-A simultaneamente, expressa da melhor maneira pela retórica poética do oxímoro. Escrita da melhor maneira para não fazer sentido.
¹ Foi complicadíssimo escolher o título. Comecei por "Anti-Foucault". Logo em seguida Paulo Raviere sugeriu que devia ser "Os Fabulosos Geradores de Lero Lero". É grandiloquente, é cômico, é ótimo. Mas eu continuei inclinado ao Anti-Foucault. Depois de Tropa de Elite, todo mundo já ouviu falar em Foucault! E todas as pessoas que passaram por uma faculdade sabe que ele é "importantão" para as humanidades, embora ninguém saiba dizer exatamente porquê. É claro que no texto, apesar de Foucault ser mais focado, eu não ataco somente ele. Só que Foucault é o mais importante dos pós-modernistas das humanidades. E dizer Anti-Foucault seria como dizer Anti-Hitler, e claro que todo mundo ia entender como anti-nazismo. Mas, afinal, tardiamente, entendi porque Raviere havia sugerido Os Fabulosos Geradores de Lero Lero.
Exorto a todos a tentarem por si mesmos: http://www.suicidiovirtual.net/dados/lerolero.html
Juliano Dourado Santana
Juliano, engraçado, mas o início de seu artigo lembrou-me muito o sempre atual Monteiro Lobato, em "Emília no País da Gramática". O oxímoro é, realmente, tão... feio! Quanto ao poeta francês do início do texto, logicamente ele deveria promover o assombro com os seus versos, caso contrário, estaria apenas arrumando palavras, como fazem alguns estudantes de Letras que se autodominam "poetas". Realmente, bonitos: "Essa escura claridade a cair das estrelas..." (O eu lírico triste numa noite belíssima); "O sol negro da melancolia" (o eu lírico vivendo intensamente sua depressão); "velhinho jovem" (Dercy Gonçalves); "Um vazio que lhe serve de lugar" (adorei: o eu lírico sendo e estando num mundo perigoso). Poetas não têm manias. Não sou leitor assíduo de poesia, mas a linguagem poética lida com tentativas de recriar imagens no tempo, né? Mas tudo bem: o Pós-modernismo bem pode ser uma manifestação de um interregno. Não nos parece verdade isso, se nos atentarmos para todas essas mudanças sócioeconômicaspolíticas? Quanto a Foucault, tem razão: não é à toa que ele temeu a entrada de novos alunos judeus em sua turma: ele não queria perder o posto de o primeiro. Mais: ele não apenas divagou, como divagou com poesia. Penso que Foucault é o Platão da modernidade.
ResponderExcluirUm amigo perguntou-me "Qual o seu problema com essa francês aí?" Não é por ele ser homossexual, nem mesmo por ele ter ocultado isso de todos, nem por ele ter morrido de Aids. Disso tudo, nada, nada. Meu "problema" com ele na verdade são dois: conteúdo e forma! Ele nega qualquer valor empírico a qualquer forma de saber, conforme é explicado no texto. E ele escreve de um jeito chato e praticamente ininteligível.
ResponderExcluirEu desafio: alguém que leu Foucault e entendeu, por gentileza, pode nos explicar o que há de relevante e original no pensamento desse autor?
Abraço a todos.
Sei não viu Juliano. Tem muita coisa bacana no que você disse, mas parece que algumas afirmações foram feitas daquele jeito: “eu tenho um amigo que ouviu falar...”
ResponderExcluirO malabarismo lingüístico deste povo é famoso! Ate hoje, Microfisica do Poder é uma idéia indigesta pra mim. Todavia, acho muito precipitado chutar o pau da barraca (se eu fosse listar pq seria muito chato). A escola de Frankfurt (analise crítica), alguns autores pontuais como Habermas, Giddens, Bourdieu e Viveiros (nosso representante tupiniquim), fizeram contribuições enriquecedoras a estante do conhecimento.
Acho que nossa sabedoria encontra-se justamente em tentar separar o joio do trigo. De fato, nem toda produção que se intitula posmoderna poderá no oferecer nada alem do tédio e do desgosto. É um conhecimento cumulativo, que seleciona e descarta muita coisa. Já pensou se fossemos classificar a ciência pelos seus exageros? Meu deus! Correríamos para as locas e por lá ficaríamos.
Acredito ser prudente julgar uma forma de conhecimento pelos seus feitos significantes (e há feitos significantes na literatura pos moderna). Se agirmos de forma contraria, penso que tb nos perderíamos no erro de medir o sucesso positivo da ciências modernas pelo seu lado menos fotogênico, seja ele a geração espontânea, a herança de caracteres adquiridos, técnicas mirabolantes nas ciências medicas, e por fim, o suprasumo do racionalismo alemão: auschwitz
A ciência explicou muito bem como funciona a vida, mas existem outras formas de conhecimento que se preocupam em como ela pode funcionar.
ResponderExcluirO anônimo é Rodolfo Karneiro. Ele tem preguiça de logar. :O
ResponderExcluirConcordo que não devemos chutar o pau da barraca. E até do Foucault eu aproveitei alguma coisa, inclusive para a minha monografia. Sim, eu também aproveitei alguma coisa do Padre Fábio de Melo, quando assisti uma missa dele (pela Tv), e aproveitei alguma do autor do Mein Kampf, quando li este livro. Meu problema é com a visão de conjunto do Foucault. Tentei lê-lo a fundo várias vezes, e não foi falta de esforço o que me impediu de ler a sua obra completa. Foi porque era demasiado indigesto, principalmente no quesito clareza. Para se ter uma noção, o Tomás de Aquino, que escreveu há 7 séculos e pretendia carregar toda a erudição cristã e peripatética em si, foi-me muito mais fácil!
Juliano,
ResponderExcluiré uma contradição. a homossexualidade de foucault nada tem a ver com o que ele pensou. tampouco o fato de ele ter morrido de aids influi no legado intelectual deixado por ele. finalmente, se acha que ele não tem conteúdo e forma, como pôde aproveitar as idéias dele para sua monografia!? Sejamos claros. A área de Foucault é a do discurso. Alguns teóricos torcem o nariz para a análise do discurso, a semiótica, enfim, o estudo do signo no contexto sócio-cultural. Gostei de sua referência a Tomás de Aquino, o sintetizador das idéias do sintetizador de idéias de Estagira. Repare bem. Tomás de Aquino é claro, mas chato como todos os demônios; tire a poesia do pensamento de Foucault, e encontrará suas idéias límpidas como uma poça colhida de uma tarde chuvosa no solo pedregoso de Irecê. Finalmente, não nos esqueçamos: o belo careca era francês. E, você sabe, todo francês gosta de filosofar, até cagando...
Foi ironia e fofoca, quando falei da sexualidade dele. Eu promovo a diversidade sexual. Não promovo mesmo é a voga foucaultiana nas universidades.
ResponderExcluirQuanto a minha monografia, se muito, tinha uma frase dele lá. Eu me deparei com UMA informação útil e - por que não? - eu a acrescentei ao meu trabalho. Aliás, nem era muito original. Depois encontrei a mesma informação num livro escrito 30 anos antes do dele. Além do mais, me diz com que cara eu ia olhar a minha professora se eu dissesse que não ia citar nada do autor de "História da sexualidade" (3.v.) em um estudo sobre sexualidades ocidentais. Não podia! Mas, no mais, é tão indigesto como quase tudo o que ele - e seus seguidores - escrevem.
Não por ele ser francês. Porque, de uma lado, temos ótimos franceses. Acho que a gente devia enterrar o Foucault e ressucitar o Lucien Febvre e o Jules Michelet!
Pós-modernistas em geral ocupam os seus trabalhos com a porção da realidade que o Vovelle batizou de "mentalidades". Mas fazem isso de modo irresponsável. Praticamente desligam as mentalidades das suas condições (históricas, materiais). Por que não perpetram estudos com a qualidade dos de Georges Duby (aliás, francês). Na voga pós-modernista, não há movimento, a história permanece congelada, e assim isenta de tensões e conflitos. E o pior dos absurdos: afirmar que a própria realidade não passa de construção social e/ou linguística. Para mim, isso é o mesmo que produzir Anti-Ciência.
Minha professora falava disso esses dias. Quase todo mundo quer escrever suas teses no jargão de Derrida, e isso dificulta a vida das bancas. Eu me formei sem usar Foucault! Em letras! Deveria fazer uma camisa com essa frase.
ResponderExcluirO argumento do Mofino é interessante. Seria como se um estrangeiro dissesse que a literatura brasileira é embolada e não tem nada a dizer, porque leu Augusto Cury e os romances de Paulo Francis. Mas há só um detalhe: enquanto nos levantamos e lembramos de um Machado ou um Guimarães, ou enquanto a ciência não se jacta de Auschwitz, por exemplo, Foucault e sua trupe são levantados como os luminares do pensamento de nosso tempo. São mais usados que os autores pontuais mencionados pelo Mofino (com exceção de Bourdieu, um chato declarado:http://confrariadetolos.blogspot.com/2009/08/post-r00309.html); as técnicas originais de Mengele não são recomendadas nas escolas de medicina.
Milton, belo careca, só se for no sentido pós-moderno. Foucault era feio de doer. Hehehehehe. Ah, e quem gosta de filosofar cagando são os alemães. Os franceses recitam poemas nessa hora.
"Foucault e sua trupe são levantados como os luminares do pensamento de nosso tempo".
ResponderExcluirÉ isso. E eu lamento isso.
Paulo, eu acho Foucault lindo de doer. E, até onde sei, francês gosta, e muito de filosofia. Claro que não podemos nos esquecer dos alemães, dos alemães!
ResponderExcluirJuliano, a propósito da mesma frase que tu encontraste num livro escrito trinta anos antes de Foucault. O mundo de idéias não é original. Nada mais fazemos do que reler velhas idéias. Pelo que entendo, você defende a Ciência pura e simples - se for isso, estamos quites, porque eu acredito mais na Ciência pura e simples do que na Filosofia, embora ache que as duas tenham uma relação de irmãs gêmeas.
Paulo, ainda: li dia desses um artigo condenando Derrida. Não se pode agradar a gregos e troianos, e isso é que é legal.
Tem um livro que mostra o diálogo entre Foucalt e John Searle, que é revelador:
ResponderExcluirSearle: Michael, sua conversa é tão boa, você se expressa tão bem, por que sua obra escrita parece tão inacessível?
Foucault: Veja, para você obter o mínimo de prestígio na academia francesa ao menos 20% de tudo o que você escreve não pode passar de bobagens impenetraveis.
I REST MY CASE
Seja bem-vindo, T.
ResponderExcluir=)
Você poderia se apresentar, se quiser.
nossa, quanto ego. Podre
ResponderExcluirtexto terrível! parte de pressupostos tão rasos e vagos para fazer a crítica justamente disso, de que Foucault e afins sejam rasos e vagos.. confunde os termos, épocas, pensadores e percursos, isola sentenças do contexto, e sobretudo impõe um modelo científico - dos mais cartesianos-newtonianos - para se pensar o todo e até a ontologia humana. Não chega nem a pensar na possibilidade da existência de uma pergunta metafísica, e por fim, ignora, ou se recusa a crer que hajam contrariedades, fissuras fundamentais, quaisquer que sejam, nos seres humanos. talvez nele não haja, talvez seja o autor, um robô.
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