06 novembro 2009

A Invenção da Mão Única

Humanos, a maioria ainda acredita que tiveram uma evolução completamente distinta de todas as outras criaturas remanescentes. Pior, uns acreditam que sempre estiveram por aqui e que jamais serão expelidos do planeta para sempre, a não ser por propulsão ou por densidades diminutas. Na verdade, serão sepultados aqui mesmo e com muito sucesso, numa ou duas centenas de milhares de anos.

Logo, outra espécie que imprevisivelmente pertencerá ou não ao filo dos cordados, quem sabe até do reino vegetal, ou talvez sem ser nem baseada em carbono, terá tempo suficiente para notar a herança desta espécie humana. Esse tempo deve ser anterior ao consumo de Hélio pelo Sol, que deixará Terra sem atmosfera, nua. Talvez, espessas lentes de pó contarão algum segredo dos primatas, depois de muitos pontos e vírgulas, reticências, exclamações e pontos.



Há muito pouco tempo, o istmo do Panamá, uma ponte de terra que liga dois continentes, foi gerado pelas anomalias térmicas das plumas mantélicas das profundezas, antecessora dos movimentos das placas tectônicas. Aproveitando a ponte, felinos invadiram a América do Sul e alguns roedores entraram sem visto na América do Norte. Como obstáculo, massas aquosas tiveram que procurar alternativas na Inglaterra para se livrarem do sal e do calor. No espanto, isso mudou tudo. Um desastre!

Uma mortandade de vegetais, causada pela seca e pelo frio, obrigou alguns primos de 3ºx 10³ grau dos colugos a descerem das árvores. A vida no chão e próximo aos esfomeados do topo da cadeia alimentar forçou a manutenção de posições desconfortáveis em duas patas, a fim de poderem observar acima no nível Máximo do capim.

Um dedo oposto surge nas patas dianteiras de alguns primatas e torna hábil o manuseio de lascas de madeira ou de pedras, ou da combinação de ambos. As ferramentas levam alguém a descobrir que a carne é mais saborosa que folhas e frutas, então o apêndice atrofia e o cérebro cresce espantosamente. O resto é apenas história.

Voltando ao istmo, um golpe natural de pura sorte não teria importância se alguém não tivesse sido dado num dia de muito azar e num tempo pelo menos duzentas vezes anterior a ele.

Os primeiros viventes visíveis se alimentavam de tudo que aparecia (na verdade, tudo que poderia ser considerado como partícula seria uma refeição muito bem vinda); a comida era posta para dentro do corpo e digerida, depois seria descartado o que não era nutriente pela mesma cavidade que outrora engolia.

Essas criaturas se multiplicaram, todos viviam como sacos fixos, com abertura para cima e tentando comer e digerir o mais rápido possível, talvez a alimentação não fosse tão farta depois de algum tempo. Por acidente ou vontade própria, alguém se solta e pode se deliciar com alimento em outro lugar. De fato, o inesperado irá acontecer.

Ou descambou uma lâmina de Lá pra Cá e amputou alguém, ou numa época de fartura alguém comeu tanto que explodiu. O corpo praticamente partido ao meio não regenerou como de costume e estaria condenado a morrer, mas não, continuou a comer e a comer. Como não seria mais necessário esperar a digestão e o vômito para comer de novo, já que tudo seria feito ao mesmo tempo e a via anal resolveria os problemas de tráfego. O sistema digestivo foi o maior passo evolutivo da história, as criaturas se multiplicariam e competiriam entre si por alimento, até que uns resolveram comer os outros. Esta esquina da história une humanos e vermes; depuradores e parentes!

Nesta brevidade de quinhentos milhões de anos, momentos de terror fizeram algumas limpezas na superfície, e muitas classes tiveram oportunidades de reinar em substituição a outras. Enquanto a vida for sadia neste planeta, pelos próximos quatro bilhões de anos, a humanidade vai precisar de muita sorte ou de golpes estratégicos de azar.
Marcelo Dourado

15 comentários:

  1. e viva ao cú!
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    sensacional marcelo, se considere por mim o vencedor do premio da confraria de escritor mais interessante!
    genial!
    melhor que o primeiro!

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  2. Hehehe: "as criaturas se multiplicariam e competiriam entre si por alimento, até que uns resolveram comer os outros". Isso é o que eu chamo duma ironia "penetrante". E vai de encontro à idéia da mão única; ou isto seria uma "contramão"? Hehehehehehe.

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  3. Marcelinho é o capelão do diabo da vez. Ele chegou ao absurdo de dizer que humanos têm parentesco de não-sei-qual grau com os vermes que lhe roem o estômago.

    Mostrou até - mas não com este exemplo - que o olho puxado pra baixo de Laio (e que é igual ao da mãe dele) é prova inconteste do parentesco entre eles; e assim também as penas dos pássaros não se apresentam em felinos por causa do seu parentesco não tão próximo.

    Por fim, marcelo nos une a todos pelo rabo (estou tentando evitar aquela outra palavra), quer dizer, por onde os restos de alimento saem. Depois vai dizer que os primatas são todos primos. E então quando Deus, junto a um séquito sombrio de homens perversos e intolerantes, esbravejando a palavra da Sua santa Escritura, dizer com convicção que o homem foi feito à imagem e semelhança Dele, todo mundo vai rir. Porque Ele tem a cara de um macaco (kkkkk), ou porque não a têm... de jeito nenhum!

    Talvez estivesse errado quem sugeriu que quando um cadáver fechasse os olhos para o mundo, ele os abriria para Deus.

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  4. Uau!!! Que perspectiva interesse sobre a origem humana!
    p.s.: a sua escrita fez o encanto da história, exercite mais, sobre outras coisas inclusive...

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  5. Marianna, é a de Marcelo?

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  6. Texto esplendoroso!!

    Deliciei-me desde as primeiras palavras. Vibrava no decurso da leitura, ao mesmo que entristecia reconhecendo que o fim se aproximava.

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  7. Apesar do excelente texto, é bem verdade que você usou de meios demasiado poéticos para descrever o decurso da historia evolutiva.

    – vide “descobrir que a carne é mais saborosa que folhas e frutas, então o apêndice atrofia e o cérebro cresce espantosamente”.

    O segredo estava na densidade nutricional comparada entre os alimentos. O fato de a carne parecer-nos “mais saborosa” desenvolveu-se com o decurso do tempo. De maneira descritiva, perpetuavam-se aqueles que se mantinham vivos e com potencial de reprodução. Como os que consumiam carne tinham uma vantagem energética devido ao elevado consumo de mioglobina e gordura (presente em demasia na carne), sobressaíram-se dos demais.

    Daí decorre também o desenvolvimento de dentes afiados, em detrimento dos dentes posteriores (de siso), que tornaram-se mesmo vestigiais, já que o consumo e a mastigação dos vegetais tornou-se menor, assim como a necessidade do apêndice. Em outras palavras, o apêndice não atrofiou, seu atrofiamento foi permitido.

    Não é tão fácil assim descobrir e viver a "sacada" que perpetuará a espécie – a partir de agora, terei duas outras mais circunvoluções!

    Melhor eu parar. Estava fazendo uma lista sobre o quê comentar, ficou tão extensa que decidi fazer eu mesmo um outro artigo. Mas repito e enfatizo que este texto está muito bom.

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  8. :P

    Mas o texto não pode ser chato como a evolução foi!

    Bom comentário, vamos discutir mais a respeito!

    Um beijo! Te curto cara

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  9. Querido,

    Queria apenas que o texto fosse interessante para o leito, mesmo que a realidade expressa ai fosse muito distante do que já é conhecido ou que estima-se ser, teria que fazer com que a evolução tivesse sido muito pratica, assim justifico alguns absurdos. De qualquer forma, um humano e um limão tem um ancestral em comum não muito distante.

    Beijos para meus primos evolucionistas!

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  10. Eu continuo impressionado. Como pode um texto tão bonito estar realmente falando de cú?

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  11. velho, essa historinha é até boa, mas o texto ta uma bosta!

    Marcelo

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  12. O que é muito natural para um texto que fala de *.

    kkkkkk

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  13. Como pode um texto tão bonito estar realmente falando de cú? rsrs


    me lebrei desse texto de Moacyr Scliar, colunista da Folha :
    http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/796869-letras-explosivas.shtml

    legal.

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  14. [link]http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/796869-letras-explosivas.shtml[/link]

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