03 dezembro 2009

Mais uma vez:por que ler?

Ontem teve o lançamento de dois livros com textos meus. Um com um artigo sobre a linguística e outro uma crônica sobre a leitura que eu tinha feito para a faculdade. Segue abaixo esta crônica. Aproveito a deixa para indicar este blog.

Por que ler? Ítalo Calvino simplesmente diz que é melhor ler do que não ler. É uma resposta que convence pela sua simplicidade. Mas o caso é que a pergunta continua a ser feita: por que ler? O fato de tal pergunta existir me soa estranho. Não pela pergunta em si, mas porque muitas pessoas a fazem sem se perguntar de outras coisas que, analisadas mais calmamente, não fazem tanto sentido. Por que usar gravatas? Por que tanta pressa? Por que sorrir? Por que ouvir música? Por que andar de bicicleta? Por que trabalhar tanto e produzir tão pouco? Por que viver, ora bolas?

Veja bem, não há razão especifica para nada disso. A maioria das pessoas simplesmente faz essas coisas sem muitas perguntas. Da mesma maneira, quem lê simplesmente o faz. Pra quem gosta, o ato de ler já basta, não como o meio de chegar a algum resultado, mas como o próprio fim. E se ele chegar a algum ponto depois de ler, bom; se não, bom também, ora. O leitor, como qualquer um, lê sem se perguntar muito porque faz aquilo.

Há quem somente questione a razão de ler, mas ainda há quem desdenhe da leitura; e pior, quem desdenhe da leitura não-técnica, da poesia, da filosofia, da ficção. Há quem afirme que os leitores são esquisitos, chatos, nerds. “Ih, olha lá, um cara com um livro na mão, vamos para o outro lado da rua”. Que quem lê é herege, rebelde, comunista. Há quem acabe com os leitores e há quem destrua os livros. Não são poucos os casos de bibliotecas destruídas. Onde se queimam livros se queimam pessoas, já previa o poeta Heinrich Boll, diante das fogueiras de livros do começo do nazismo. Aproveitando a metáfora borgiana, é possível dizer que onde se queimam livros se queimam universos.
O Monsieur Jourdain, personagem de Molière, se alegra ao descobrir que por durante toda a sua vida, ao conversar, esteve produzindo prosa. Pegando isto como premissa e unindo com irônico pensamento de Pascal de que quem desdenha da filosofia está filosofando, é possível afirmar que desdenhar da literatura é produzir prosa, ainda que de qualidade contestável.
Mas é preciso que não se condene o preguiçoso, o arrogante, o orgulhoso de sua ignorância. Diversas são as facetas do conhecimento humano. É provável que esta mesma pessoa, considerada tão grosseira, tão insolente, tão rude, saiba de alguma coisa desconhecida do melhor de todos os leitores. Os amantes da literatura, por exemplo, militam pela ampliação, divulgação e apreciação de suas obras queridas, mas muitas vezes se esquecem completamente de obras interessantíssimas produzidas pelas outras áreas do saber.
É preciso então, reconhecer a limitação do outro como uma limitação em si mesmo. Uma pessoa que ignore o próximo porque ele não gosta de ler está permitindo que os outros a ignorem por coisas que ela não aprecie fazer. Diversas também são as maneiras de se aproveitar a vida. Um leitor nunca foi condenado porque ele não gosta de tocar tambor, de comer feijão ou de jogar pólo aquático. Não é direito dele, então, condenar os outros porque não gostam de ler.

Por fim, cada um vê a leitura de um modo diferente. Para Descartes, ler é conversar com os melhores pensamentos dos melhores dos mortos; já de acordo com Epicuro, “quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz”. Borges via na leitura o infinito e a eternidade. Alberto Manguel se considerava o todo poderoso porque podia ler e Milan Kundera diz que sonhar é a mais profunda necessidade do homem. Diante de tudo isso, em vez de “por que ler?” uma pergunta mais interessante seria “por que não?”.
Paulo Raviere

22 comentários:

  1. É melhor matar judeus do que não matá-los. Convenci pela simplicidade?
    rs

    Excelente texto, Paulo. Mas agora eu estou dizendo o óbvio.

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  2. Ler não é sempre filosofar e filosofar não é sempre ler!
    Quem desvia de uma pessoa, que passa pela mesma calçada com livros?
    Quem que pergunta "por que ler?"?
    Ler é a forma mais segura de se passar uma informação.
    Quem tem problema com nerds não são os analfabetos, são os que não leem kundera, borges, nite, machado, bandeira, cecilia, enfim.
    Desde a invenção da imprensa que ler ta na moda, é chique!

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  3. Julião, isso é falacioso. É o mesmo que eu seguir esta cadeia: Futebol é bom. Futebol faz suar. Ler não faz suar, logo, não é bom. Não cabe substituir os termos assim tão deliberadamente.

    Não esqueçam, isso é uma crônica. É pra ser tão pesada quanto os aforismos de amor e sexo.

    Filosofar é, antes de tudo, um ato pessoal, mais que a leitura. Tenha quem leia e não abstraia e tem quem abstraia sem ler, mas não querer conversar com os outros é egoísmo ou arrogância, sem tentar fazer julgamento de valor.

    Quem não lê que pergunta "por que ler?". Quem lê apenas tenta responder.

    E a leitura é mais persistente que as modas, pode ter certeza. Quanto a ser chique ou não, deixo pros estilistas comentarem.

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  4. só quem não ler é analfabeto, né não?

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  5. A pratica da literatura é algo a ser levado a sério, não é pra qualquer um(mas é pra muitos), tem que ser feito com paixão e dedicação, ler qualquer um ler(falo de decifrar sons por simbolos graficos), apartir dos 5 anos de idade eh normal ser alfabetizado nessa linguagem.
    Ser LEITOR é outro nivel.

    O negocio é que essa queixa aí, pra mim, é puro dengo, calundu!

    "Que quem lê é herege, rebelde, comunista"
    Em que mundo tu viu isso? Idade média? sei la! eu nunca vi isso. comunista, e qualquer "ista" que seja, não implica em ser literado.

    "Mas é preciso que não se condene o preguiçoso, o arrogante, o orgulhoso de sua ignorância."
    Existem umas rarissimas, pra caralho, de excessões de pessoas que sabem ler e não usa dessa habilidade pra desmembrar ou desdobrar seus raciocionios, pensamento, o que seja! esses se diferem dos leitores sabe em que?
    No caso de homens:
    as taticas que eles usam pra pegar mulher.
    No caso de mulheres:
    as taticas que elas usam pra atrair homens.

    Inteligencias sempre foram afrodisiaco, pouco importa qual delas!

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  6. Esse texto é bom que já faz propaganda de uma das vias de divulgação dos produtos do seu autor. Em um só dia foram lançados dois livros com textos do cara e tanto esse texto, como o outro, que agente não sabe qual é ainda, são destinados aos que podem e querem ler, obviamente.

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  7. Jamais me perguntei "por que ler?" Sempre me perguntei por que escrever. E ler é bem melhor do que escrever. Paulo, um desafio: que tal um texto sobre o ato de escrever ou não? Claro, estou sendo egoísta e tirando o meu corpo fora, pois vc pode responder: por que vc mesmo não escreve a respeito? Mas (desculpa esfarrapada, porém verdadeira - criei um paradoxo) prefiro ler o seu texto e opinião. Abraços.

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  8. Cabelo, mais uma vez, é uma crônica. Não é nem um manifesto nem um tratado, é uma crônica. Você está lendo isso como leram os aforismos de Julião (apesar de que realmente, os intelectuais são caçados em ditaduras e/ou similares. Veja a igreja, Stalin e o senador MacCarthy, que são polos diversos e fizeram a Caça às Bruxas. "Herege, rebelde e comunista". Vai ver quantos foram presos somente porque publicaram livretos bobos de poemas).

    Agora, fiz o texto pra faculdade, lá eles usam isso, "o preguiçoso, o arrogante, o orgulhoso de sua ignorância", talvez não com essas palavras, mas perjorativamente. Será que eu vou ter que explicar de novo que ler é, antes de tudo, uma atividade lúdica como qualquer outra? Não sei por onde você interpreta que o texto é uma queixa, um dengo, um calundu, já que eu digo exatamente que uma pessoa não deve ser condenada por não fazer o que não quer. Bah, deixa de onda. Minha queixa é somente contra os leitores que olham torto pra quem não lê e vice-versa. É a mesma história lá das HQs.

    Quanto às táticas para pegadores, tem muitas variantes alheias ao assunto tratado (ou você fecha os olhos antes de avaliar seu interesse numa mulher?). Esse assunto a gente comenta nos aforismos.

    Uilião, não me entrega, hehehehe. O outro texto é um artigo de divulgação da linguística. Certamente vou caçar jeito de divulgar lá na faculdade, mas aqui não dá pra botar porque é muito grande.

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  9. Ah sim, Cabelo, tenho que admitir que nesses últimos meses você melhorou no jeito de escrever. Depois me lembra de te passar o comentário da HQ das batatas, que deve entrar amanhã.

    João, finalmente terminei o diabo da primeira parte da Árvore. Depois que eu terminar de remendar tudo eu te passo pra dar uma olhada (ficou com 33 páginas de word, entrelinhas 1,5!).

    "Por que escrever" é complicado. Tem quem escreva por doença (veja o ensaio sobre a hipergrafia na Serrote), pra ganhar dinheiro, pra ganhar cachaça, pra pegar mulher, por desespero, pra afogar as mágoas, pra passar na escola, por necessidade, pra ficar lendo depois, pra ficar famoso, sei lá, cada um responde de um jeito diferente pra cada texto.

    Te rebato a pergunta: por que publicar? (Aí você responde e depois pergunta: "por que comentar?" Aí eu repondo e pergunto, "porque responder o comentário?" Aí você abusa disso e gasta a resposta do texto: "por que não?"). Mas eu entendo o que você diz, já tem tanto livro bom aí, né?

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  10. Ah, a resposta mais divertida que eu vi foi esta:

    JOÃO PEREIRA COUTINHO - Pensei em leitores chorando de gratidão, matrimônios desfeitos por ciúmes bobos, cartas de amor desesperadas. Não aconteceu. Mas eu continuo a tentar, começando do zero todas as semanas. O objetivo é o mesmo: divertir, informar, enfurecer e conquistar o leitor. No fundo, eu só quero ser amado. [risos]

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  11. ...Quem tem problema com nerds não são os analfabetos, são os que não leem kundera, borges, nite, machado, bandeira, cecilia, enfim...

    Kabelo, quem é nite?

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  12. ahahahahahahahahahahah para a resposta do Kabelo sobre quem é nite! Ótima! Paulo, a resposta do meu xará João Pereira Coutinha é muito boa. 'Taí, eu já cogitei essa resposta, mas a não escrevi (prosódia portuguesa). Uma fusão bem portuguesa agora: Fernando Pessoa dizia (através de Álvaro de Campos) que tinha se multiplicado para se sentir. Eu "multipliquei" (vc sabe do que estou falando) para ser amado ehehehehehehe. Paulo, concordo que a resposta pode ser relativa quanto a pergunta "por que escrever?", mas e a sua? Por que vc escreve? Não vale responder que é só para engabelar as minina. Se bem que é um nobre propósito. O "já tem tanto livro bom por aí" não foi exatamente a minha perspectiva, porém vale tmb. E aí, já voou pra Irecê?

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  13. Jadili disse que sabia quem era e perguntou só de pirraça (ela virou uma intelectualzinha: agora lê livros inteiros e só quer saber de conversar sobre Proust, T.S. Eliot, economia e metafísica).


    A melhor resposta ainda é a de Faulkner em entrevista para a Paris Review. João, eu escrevo porque não tenho nem uma mesa de pebolim nem uma de bebidas em casa. Pode ver que em Irecê eu não escrevo nada...

    Falando sério, depende do texto. A resposta mais geral que eu posso dar (e que vai parecer estúpida pra uns) é que eu escrevo pra ser lido. Tem gente que parece que não. Se fosse só pela tiração de onda, pela cachaça, as meninas (em off) e o dinheiro, eu não inventava de escrever sonetos, heheehehe. Ah sim, e kalepá ta kalá, sempre.

    Irecê só semana que vem.

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  14. Paulo, Valeu pela "intelectualzinha", boa maneira de elogiar alguém.

    Você é muito intenligentinho.

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  15. Paulin, tu é foda mesmo! Excelente crônica! Parabéns!

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  16. Descobri que o artigo está disponível online. Página 79.

    http://www.repositorio.ufba.br/repositorio/bitstream/ufba/124/1/Diversidade%20e%20convivencia.pdf

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  17. Claro que está disponível online.

    Que tal http://confrariadetolos.blogspot.com/2009/12/mais-uma-vezpor-que-ler.html?showComment=1288362376002#comment-c3857697505871922987 ?

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  18. Sim, aí é a crônica. Eu falo do artigo de divulgação sobre linguística.

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  19. Gente, finalmente descubro o Raviere escritor! Não é verdade aquela premissa: a de que a simplicidade revela a profundidade? A crônica é uma aula, e vou indicar para todos os meus colegas.

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