23 dezembro 2009

Artístico - Parte Final

Parte 3: Arte e sedução na modernidade

A arte (e a sedução) evoluíram ao mesmo tempo como um indicador de aptidão e um meio de obtenção de vantagens reprodutivas, através da influência indireta do status. (E isto não será difícil de compreender se observarmos a atração que os artistas exercem sobre os fãs).



Mas considere agora o que acontece nos namoros modernos. Levamos as pessoas por quem nos interessamos a restaurantes onde pagamos para que outras pessoas cozinhem e preparem excelentes pratos para elas, ou a danceterias e shows onde são músicos profissionais que excitam seus sentidos auditivos, mas não nós. Ou a cinemas, onde os atores profissionais podem entretê-las com aventuras fictícias, etc. Cozinheiros, músicos e atores não conseguem manter sexo com nossas parceiras (ou parceiros), eles apenas recebem dinheiro. Se tudo corre como planejamos, somos nós quem conseguimos manter relações sexuais com nossa companhia. Ou seja, a economia de mercado transfere muito do esforço de sedução de nós para profissionais. E, para pagarmos os profissionais, precisamos ter dinheiro. Quanto mais dinheiro, melhores serão as armas de sedução que poderemos pagar. Assim, ainda segundo Miller, o consumismo virou a mesa em termos dos padrões ancestrais de sedução humana. Ele transformou a sedução em um bem que pode ser comprado e vendido.

O signo sob o qual praticamente tudo pode ser comprado e vendido chama-se capitalismo. Somente ontem, quer dizer, somente a partir do século XIX é que a humanidade transferiu-se massivamente para as cidades. Antes disso, em todo o globo, e mesmo na Inglaterra, a população urbana nunca ultrapassava os 51%. É, portanto, um fenômeno muito recente o das grandes concentrações urbanas, em que quase ninguém conhece ninguém (porque todos temos raízes geograficamente distintas) e em que a quantidade de pessoas com que estamos obrigados a lidar torna impossível qualquer profundidade de relação. As relações passaram a ser cada vez menos profundas, atingindo muitas vezes apenas a superficialidade: maneira de vestir, marca do relógio, modelo e ano do carro que utiliza (e se utiliza), os lugares que freqüenta, etc. Ou seja, passamos a conhecer as pessoas sob o parâmetro comum do “o que ela consome”. Ou, simplesmente, como brilhantemente resumiu o nosso tempo a artista norte-americana Barbara Krugman: consumo, logo existo!

As pessoas são aquilo que consomem. O fundamental da comunicação – já não está mais centrado nas qualidades humanas da pessoa, mas na qualidade das mercadorias que ela ostenta, no capital aplicado não só em vestuário, adereços e objetos pessoais, mas também nos recursos e no tempo livre empenhados no desenvolvimento e na modelagem de seu corpo, na sua educação e no aperfeiçoamento de suas habilidades de expressão. E, outras palavras, sua visibilidade social e seu poder de sedução são diretamente proporcionais ao seu poder de compra. (SEVCENKO, Rumo ao século XXI, 2001, p.64).

Se a cultura como um todo, e arte em particular, surgiu originalmente para finalidades de sedução, de status e promoção social e, de outro lado, no modelo de organização político/social que vivemos o mercado impera soberanamente e o poder de compra vale o poder da sedução, então talvez a arte não esteja servindo muito mais do que como um enlatado a ser comprado nas estantes dos supermercados. O lucro tem sido a sua última medida.

Mas, felizmente, não se acaba nisto, lucro e só. A despeito de tudo, a arte ainda conserva o poder de enlevar o humano, quase o poder de enfeitiçá-lo. Ainda que tenha sido atualmente extraviada para outros domínios, os mercadológicos, ela continua a servir para a mesma obra: exprimir e encantar. E a vida é tão complexa e rica de detalhes que possivelmente nem toda a linguagem humana algum dia bastará para exprimi-la.
Juliano Dourado Santana

Um comentário:

  1. Há ainda a sedução como o próprio consumo. O golpe do baú é um exemplo de como essa idéia também pode ser invertida. E nem falo dos gigolôs, da Kelly Key ou dessas histórias estranhas de Nelson Rodrigues que a gente vê todo dia na rua.

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